Mas chegou o carnaval, e ela não desfilou!

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A periferia como protagonista do carnaval de São Paulo.

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Desfile Bloco do Beco no carnaval de 2020 – Foto Maloka Filmes

“Se a única coisa que de o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano.”

disse Graciliano Ramos (1892-1953), marcou a literatura brasileira com obras que retratam a vida do homem nordestino no sertão, em qualquer lugar que esteja ele deve estar surpreendido com o que se passa na nossa história.

As temperaturas estão altas em São Paulo, por volta dos 30 graus, o que impõe um clima de verão constante, mesmo que as férias já tenham acabado e o retorno às atividades presenciais deem o tom do retorno a vida corriqueira de uma capital, sabemos que não estamos em uma situação de normalidade.

As periferias da cidade se preparam todos os anos para o carnaval de rua que acompanha a cidade há muitos anos, promovendo a democratização do carnaval paulistano, que privatizado acontecia somente nas quadras das Escolas de Samba e no Sambódromo do Anhembi. Isso não significa que a população das periferias não participe do carnaval das Escolas de Samba, muita gente vive as duas realidades, compreendendo a potência do carnaval de rua, sem cordão, sem ticket, sem catraca.

O carnaval de rua está conectado com todas as grandes pautas, pelo menos, não vejo como exercer qualquer atividade cultural que de certa maneira não esteja conectada com a vida nas periferias, pois o espaço, como ele se articula, a mobilidade, as questões econômicas, imprimem nesse carnaval seu tema, seu ritmo e a participação da população.

Desfile do bloco Afro É Di Santo em 2020 – Foto Fernando Solidade

O carnaval traz em si a tradição comunitária, seja nas Escolas de Samba ou no carnaval de rua, esses espaços sempre forneceram formação cultural e amparo econômico às suas comunidades.

Não acredito que isso tenha mudado, porém, a profissionalização do carnaval como economia criativa reconhecida por empresas e o Estado, tem transformado os processos carnavalescos em uma cadeia produtiva, com seus elos de pré produção, produção, distribuição e comercialização, que geram empregos e sustentabilidade para o carnaval, além de muito lucro para as empresas da cidade. Em 2020, a festa movimentou cerca de 3 bilhões, cerca de 2% do PIB Paulista.

O último carnaval de rua de São Paulo foi o maior da sua história, segundo a Secretaria Municipal de Cultura, cerca de 15 milhões de pessoas, 575 blocos de rua e 615 desfiles.

Foi histórico para a cidade ter as 32 subprefeituras participando, o carnaval periférico trouxe 60 blocos de carnaval de rua em toda cidade, em nossa região cerca de 18 Blocos de carnaval saíram da Capela do Socorro à Parelheiros, mesmo com pouco fomento.

Sabemos que as Escolas de Samba e as periferias realizam um carnaval cultural, que tenta revelar artistas, fazer das artes uma fruição dinâmica com a musicalização da festa e promover o fortalecimento da cultura negra brasileira.

Entretanto, existe uma grande diferença do investimento no carnaval de rua das periferias, e das áreas nobres e centrais da cidade, que deve ser pautada como política pública. O carnaval de rua das periferias também tem sua cadeia produtiva e movimenta o ano inteiro, como ações sociais e culturais em seus territórios.

Desfile Bloco do Hercu em 2020 – Foto Bloco do Hercu

Em 2013, por decreto, a prefeitura de São Paulo, tornou o carnaval patrimônio cultural da cidade, promovendo assim a abertura para o surgimento de novos blocos e incentivando os existentes.

Sabemos que o incentivo é ainda muito restrito, banheiros químicos e um cachê não é suficiente para os blocos da periferia que promovem o carnaval e o samba o ano inteiro.

Esse ano ficamos com o carnaval na garganta, mas sabemos que quem ajudou a conter a crise econômica e social causadas pela pandemia durante os últimos 2 anos foram esses Blocos e suas organizações parceiras, sem políticas públicas de financiamento do carnaval. E com a pandemia, que carnaval de rua seria possível para as periferias da cidade?

Sabemos que teremos o desfile das Escolas de Samba em abril, nada se fala sobre o carnaval de rua, se haverá financiamento, se haverá diálogo para colocar as necessidades dos blocos.

Sabemos que muitos ficaram ricos com a pandemia e outros mais pobres, sabemos que a privatização da cultura é um fantasma que ronda a cidade de São Paulo, mas a periferia vai continuar cantando, pulando e batucando, nossa luta não é confete.

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