Incompetência armada: vocabulário da violência

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Esse conceito se refere a capacidade do homem de dizer que não sabe fazer bem uma coisa para que nós façamos por eles.

Eu gosto muito da reunião de mulheres. Nesses encontros conseguimos elaborar melhor nossos papéis sociais e reconhecer as mazelas que são estruturas que elaboram o jeito de ser da nossa vida. 

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Na maioria das vezes isso envolve nossos momentos de lazer, assim como alguns espaços de encontro que organizações sociais têm promovido. 

Um debate interessante que tem ocorrido nos Estados Unidos, entre mulheres, que acho importante que a gente conheça, é o conceito de incompetência armada, traduzido do inglês, weaponized incompetence

Esse conceito se refere a capacidade do homem de dizer que não sabe fazer bem uma coisa para que nós façamos por eles. É importante destacar que isso é um fingimento, uma estratégia de não fazer, de não se comprometer. 

Sabe aqueles argumentos, “sua comida é bem melhor”, “ninguém faz como você”?, se refere a falácias, em sua maioria de homens, que são uma estratégia de negar os afazeres e responsabilidades diárias, exaltando nossa capacidade de realização. 

Essa estratégia não se dá somente na fala, mas na realização das tarefas de forma inadequada para que a gente sinta, que só nós somos capazes de realizar tal feito e que isso é uma habilidade feminina e não humana, que qualquer ser humano com um pouco de vontade poderia fazer.

“Você pode varrer a sala?” 

Você, mulher, pode pedir ao seu parceiro, a seu amigo que divide as contas, ao seu pai. Ele varre, porém, há coisas ainda jogadas pela sala, talvez até no chão, onde ele varreu em volta, talvez copos sujos em cima da mesa de centro, e obviamente, ele não passou pano. 

Quando você pergunta depois sobre o estado da sala de estar ele se defende, “você não me pediu pra arrumar as coisas jogadas, recolher os copos ou passar pano”. Jogando a culpa em você, quando você se defende, falando que uma tarefa envolve muitas outras, ele pode pedir desculpas ou ele pode continuar se defendendo dizendo que você precisa ser mais clara no que você quer. 

É importante ressaltar que algumas pessoas, alguns homens, irão aprender com seus erros, mas a grande maioria continuará os repetindo, de novo, e mais uma vez, assim como a discussão que segue a tarefa mal feita, até que você, mulher, sinta que é mais fácil você mesma varrer a sala, e lavar a louça, e cozinhar, e lavar a roupa, enquanto ele pode ficar sentado no sofá, porque ele é muito incompetente para realizar tarefas domésticas.

Porém, a incompetência armada não está só relacionada a ação de delegar às mulheres tarefas, mas também tem um impacto nas decisões emocionais, pois é à nós dada a responsabilidade pela manutenção afetiva das relações. 

Quem nunca ouviu falar em um término: “você é maravilhosa, o problema sou eu”. Uma forma de usar essa exaltação de quem somos como arma para justificar sua falta de envolvimento ou melhor, aprofundamento nos reais motivos do término das relações. 

Nós, mulheres, atualmente somos mais autônomas com a entrada forte dos nossos corpos nas universidades e no mercado de trabalho. Estamos mais preparadas, lendo feminismo negro e fazendo terapia, participando de ações culturais e sendo reconhecidas por nossos trabalhos acadêmicos e culturais, tomando espaços no mercado que antes só homens eram reconhecidos. 

Mas como isso tem alimentado o crescimento da “incompetência armada”, como essa sensação que somos mais maduras nas relações, que somos donas do nosso destino tem na verdade no pano de fundo essa estratégia masculina de delegar a mulheres espaços sociais e de trabalho como estratégia de exploração das nossas condições físicas e mentais.

Você já se perguntou se aquele boy realmente precisa de terapia, ou se na verdade, suas questões emocionais são estratégias para não se envolver de fato? Ou se a incapacidade do seu companheiro de trocar uma fralda, fazer almoço e levar as crianças na creche antes do trabalho é de fato uma estratégia de se negar a colaborar? Pois se você consegue realizar essa ação humana, outros também poderiam realizar, pois sexo não performa essa capacidade. 

Do chefe, ao companheiro romântico, quantas estratégias de “incompetência armada” vivemos atualmente?

O resultado da incompetência armada é nossa sobrecarga, a normalização de tarefas ligadas ao gênero, posso apontar também que isso promove uma grande confusão sentimental que coloca mais um problema relacional que supostamente nós teremos que resolver, diagnosticar se estamos vivendo com um companheiro, um chefe, um companheiro de trabalho ou um amigo que se promove com bondoso trabalho a partir da incompetência armada. 

Na maioria das vezes esse tema tem sido abordado no âmbito da heterossexualidade e seus desdobramentos, porém, podemos empregar este termo a qualquer relação que reproduz de alguma forma o Modus operandi da heteronormatividade. 

Sim, manas, parece só um novo nome, mas na verdade nomear um ato é a forma de se afastar da ação e prover uma análise mais consciente. Assim como outros termos que têm surgido, este consiste na reflexão de um conjunto de atitudes que oprimem as mulheres no seu dia a dia. 

Gaslighting

Forma de manipulação/mentira para uma mulher sobre uma coisa que ela sabe que é verdade, até ela duvidar de si mesma e acreditar na mentira do homem. 

Mansplaining

É usado para determinar quando um homem explica uma coisa para mulher que ela já sabe, como por exemplo, tentar explicar algo de sua própria profissão quando ele mesmo não é, ou explicar algo sobre a vivência feminina, quando o ser humano em questão é um homem.

Manspreading

Quando os homens ocupam mais lugar do que eles precisam, por exemplo as pernas extremamente abertas em transporte público que pegam dois acentos. 

Bropriating

É tão comum no mundo acadêmico o Bropriating, um homem se apropriando de uma fala feminina, ou de uma ideia feminina e levando todo o crédito.

Stealthing

É uma violência sexual que consiste em retirar o preservativo sem o consentimento da outra pessoa, um crime segundo o artigo 215 do Código Penal.

Body Shaming

Ridicularizar o corpo de alguém de forma verbal e psicológica.

Vejam manas que o papel do nome é compreender que essas ações não são naturais da masculinidade, mas violências contra nossas vidas e que precisamos reconhecer essas ações como violências.

Quem nunca passou pelo menos por um desses constrangimentos violentos? 


Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

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