Opinião

Educação através do skate na Cidade Tiradentes

No sábado, 26 de outubro, aconteceu o 1º Simpósio de Educação pelo Skate LOVE CT no CEU Inácio Monteiro, no Conjunto Habitacional Inácio Monteiro, em Cidade Tiradentes, extremo leste da cidade de São Paulo.
Por:
Vithoria Sampaio Romão e Thiago Andrade Gonçalves

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O Simpósio teve como tema “Das Ruas à Educação: Das Práticas que Temos ao Mundo Queremos” e buscou reunir e conectar pessoas interessadas no skate como prática esportiva, social e educativa. 

Foi um dia com diferentes atividades, com conferências, palestras, relatos de atuação, minicursos, rodas de conversas e muito mais onde o skate é o meio para a transformação. Uma oportunidade única de fomentar a discussão sobre os impactos necessários para o mundo que queremos e como esse caminho vem sendo construído em suas mais diversas formas. O Coletivo Cultural Love CT, em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura, idealizaram e foram os realizadores do Simpósio. 

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O Coletivo surgiu em 2005, quando um conjunto de jovens skatistas moradores começou a dar rolês de skate por Cidade Tiradentes. Pela falta de equipamentos de lazer e cultura em Cidade Tiradentes, os skatistas não só demandaram e, seguem demandando ao poder público a construção e manutenção de equipamentos públicos em seus bairros, mas produzindo seus próprios picos e áreas skatáveis, gerando novos usos e possibilidades de sociabilidade no espaço público urbano.

Em 2011, o Coletivo criou o projeto social “Love CT: Inclusão e Resgate Skateboarding” pelo qual passou a promover aulas de skate gratuitas na praça e na pista de skate ao redor do CEU Inácio Monteiro para crianças e jovens moradoras da Cidade Tiradentes. O intuito era fortalecer uma memória territorial e periférica de apropriação do espaço através do skate que se propaga e renova pela juventude.

O surgimento do Coletivo e do projeto social é reconhecido por seus integrantes dentro do contexto de efervescência da organização em coletivos culturais nas periferias de São Paulo, e da produção artística em resposta aos inúmeros dilemas que atravessam as “Sujeitas e Sujeitos Periféricos” e os territórios periféricos. Segundo o sociólogo Tiaraju D’Andrea (2022):

“Foram cinco os principais motivadores do aumento do número desses coletivos [culturais]: a produção artística como forma de pacificar um contexto violento; a produção artística como forma de sobrevivência econômica; a produção artística como forma de participação política; a produção artística como forma de valorizar o bairro e; a produção artística como emancipação humana”.

Tiaraju D’Andrea, sociólogo. A formação das Sujeitas e dos Sujeitos Periféricos: cultura e política na periferia de São Paulo. Editora Dandara.

Ao longo dos mais de dez anos de realização do projeto, fica evidente como skate se realiza como prática educativa, cultural e política produzida por “Sujeitas e Sujeitos Periféricos” e fortalecida pelo seu lugar de referência, Cidade Tiradentes. 

Durante as aulas, os educadores do projeto social ministram o que consideram “bases do skate”, que inclui desde o reconhecimento do espaço, do skate e do próprio corpo com a proposição de exercícios. 

Entretanto, as instruções não se limitam aos ensinamentos técnicos, pelo contrário, estão acompanhadas de discursos sobre a importância da preparação mental e física e permeadas de valores de disciplina, persistência, resistência, respeito, escuta e partilha do espaço. 

As bases do skate reconhecem as crianças e adolescentes que participam do projeto social como criadoras de repertórios de manobras e estilos autorais e, por isso, as estimulam a criar e imaginar manobras e movimentos a partir das condições da pista e da rua. Os educadores também as incentivam a praticar o skate para além do momento da aula ou da participação no projeto social, mas que sobre as rodinhas explorem e se apropriem da cidade.

As novas possibilidades de sociabilidade no espaço público urbano periférico propiciadas pelo skate como prática esportiva, social e educativa permitem a realização do encontro no espaço público urbano periférico. 

No Love CT Skate, o encontro é tanto uma prática espacial relacionada com a efetivação do direito à cidade, conforme teoria elaborada pelo filósofo francês Henri Lefebvre (1999), quanto um ato político de apropriação do espaço para a constituição de lugares.

Henri Lefebvre, ao tratar do “Direito à cidade” no livro intitulado “A Revolução Urbana” (1999), defende a importância do encontro e das festividades na cidade em espaços públicos enquanto direitos, que se incluem nos direitos humanos e nos direitos dos cidadãos. 

O autor acredita que o encontro é fundamental para a vida na cidade, pois “os signos do urbano são os signos da reunião”. Propiciar a reunião e o encontro na cidade confere as possibilidades de trocas simbólicas e significativas entre as pessoas que constituem parte dos direitos e componentes do “Direito à cidade” de Lefebvre. 

Assim, o skate como prática esportiva, social e educativa visto como possibilidade de encontro na cidade pode ser entendido como parte das ações e direitos culturais que melhoram a nossa condição cidadã. 

Em um contexto em que pode-se caracterizar nossa cidadania como incompleta ou “mutilada”, nos termos do geógrafo brasileiro Milton Santos. Para o autor, “cada pessoa vale pelo lugar onde está. E o seu valor como cidadão depende de sua localização no território”. Ou seja, a depender de nossa localização no território nacional, ou até dentro de uma mesma cidade, é possível notar que variam as nossas possibilidades de acessos aos bens e equipamentos imprescindíveis à vida, o que caracteriza as desigualdades de oportunidades de acesso, mutilando a nossa cidadania. 

Nesse sentido, é possível reconhecer a importância do Coletivo Cultural Love CT ao proporcionar possibilidades de acessos aos bens e equipamentos esportivos, culturais e educacionais na periferia.  

O skate como prática esportiva, social e educativa organizado pelo Coletivo Cultural Love CT visto como possibilidade de encontro na cidade e entendido como parte das ações e direitos que compõem e melhoram a nossa condição cidadã se insere naquilo que a geógrafa brasileira Sílvia Lopes Raimundo (2017) menciona ao falar dos sujeitos e integrantes dos coletivos de cultura que desenvolvem suas atividades artísticas em diferentes linguagens associadas às lutas políticas em um contexto reivindicatório, apontando que a linguagem e a estética das artes tornam-se veículos para a exposição de críticas à ordem contra racionalidade. 

Arte e cultura criam espaços de liberdade de expressão e trocas de saberes, urdindo condições para a construção de outros olhares sobre a cidade. 

Criam constantemente projetos éticos, estéticos e comprometidos com a periferia, onde São Paulo, vista pelos empreendedores imobiliários, latifundiários urbanos e Estado como espaço do capital, toma outra dimensão. Uma cultura de caráter democrático confere à cidade uma estética política. Para a autora:

“Arte vista como uma expressão que pode dar sentido e significado a nossa existência, funciona como uma linguagem privilegiada para expressar uma infinidade de reflexões. Que por provocar certa angústia, nos encoraja conhecer não somente o nosso lugar, mas os lugares dos outros também, fazer pesquisa e criar um repertório sobre o território da cidade. Então, a arte abre o olhar, amplia os horizontes geográficos. E é do fazer Arte [a estética] e das experiências individuais e coletivas que surgem os projetos de maior escala, os mais políticos e éticos. A arte e a estética entrelaçadas, criando experiências estéticas e abrindo caminhos como prática política”.

Silvia Lopes Raimundo, geógrafa.

Nesse movimento, os sujeitos dos coletivos culturais de periferia estabelecem um projeto cultural para as periferias que supera o lugar de consumidor e avança para a conquista do lugar de criação, não somente no campo da produção cultural, como também de políticas públicas, especialmente aquelas que garantam, no âmbito dos Direitos Humanos, o pleno gozo do Direito à Cultura.

Essas práticas políticas, produções e expressões culturais, criam, segundo a autora, “condições favoráveis para o surgimento de novas formas de conceber políticas públicas, consolidando, dentro da ordem democrática, uma cultura política que potencializa o sentido e as condições de exercer a cidadania”.

O 1º Simpósio de Educação pelo Skate LOVE CT “Das Ruas à Educação: Das Práticas que Temos ao Mundo Queremos”, é mais um capítulo importante na longa trajetória do Coletivo, do projeto social e de Cidade Tiradentes que propiciou a união do amor pelo skate e a educação em um só lugar.

O Simpósio foi um evento para reflexão, diálogo e, principalmente, encontro entre as políticas públicas de educação, cultura e esporte no urbano. O encontro entre projetos sociais, educadores e professores. O encontro de sonhos e projetos de futuro para as cidades e para as periferias.

Vithoria Sampaio Romão e Thiago Andrade Gonçalves são geógrafos pelo Instituto das Cidades Campus Zona Leste da UNIFESP e pesquisadores de pautas culturais e educacionais periféricas.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

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