Na esteira do lema Nós Por Nós, diversos coletivos, associações de bairros, ONG, Igrejas, comitês populares, movimentos periféricos, quase sempre sem apoio do poder público, constroem alternativas e formas de organização solidárias em suas comunidades.
Foi assim
No dia em que todas as pessoas do planeta inteiro
Resolveram que ninguém ia sair de casa
Como que se fosse combinado, em todo o planeta
Naquele dia ninguém saiu de casa
NinguémRaul Seixas
O ano 2020 vai ser lembrado como o ano em que a Terra parou. Da China, no final de 2019, um coronavírus se espalhou pelo mundo, provocando uma das maiores pandemias que já atingiu a população mundial. Infelizmente essa Pandemia está agravando desigualdades socioeconômicas, e mais uma vez as populações menos favorecidas são as que mais sofrem. De acordo com Mark Lowcock, da agência humanitária da ONU, “o quadro que vemos neste ano traz a perspectiva mais sombria e desoladora que já definimos até agora. Isso ocorre porque a pandemia gerou uma carnificina nos países mais frágeis e vulneráveis.”
Vivemos hoje um dos momentos mais incertos da história, o medo toma conta de nossas vidas. A maioria da população não sabe como agir, as políticas públicas de saúde e sanitárias não dão conta de amenizar as desigualdades, as ações econômicas são insuficientes e não chegam a toda população, sobretudo aos “brasileiros invisíveis”, milhões de desempregados, nomeado assim pelo ministro da economia Paulo Guedes.
Por outro lado, historicamente grupos desfavorecidos atuam cotidianamente em suas realidades com ações de solidariedade. Na esteira do lema Nós Por Nós, diversos coletivos, associações de bairros, ONG, Igrejas, comitês populares, movimentos periféricos, quase sempre sem apoio do poder público, constroem alternativas e formas de organização solidárias em suas comunidades. Desde o início da Pandemia, nas mais diferentes periferias do país, esses sujeitos sociais vêm mobilizando ações concretas em seus territórios para reduzir os impactos da Covid-19 que atingem de modo especial, as mulheres e a população negra, segundo dados do IBGE, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD COVID19.
No bonde da solidariedade a UNEAFRO-Brasil, organizou a Campanha Apoio Permanente para Famílias Negras e Periféricas – COVID19, que colaborou e está ajudando milhares de famílias com alimentos, produtos de limpeza e higiene, além de auxílio para educadores e desempregados. A UNEAFRO também criou o projeto Agentes Populares de Saúde, em parceria com diversos profissionais da saúde, para apoiar as comunidades assistidas pelo movimento
Nas maiores favelas de São Paulo, Heliópolis e Paraisópolis, a população também vem mobilizando seus territórios. A Unas (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região) criou a Campanha Heliópolis no Combate ao Coronavírus, que já distribuiu mais de 40 mil cestas básicas, milhares de kits de higiene e limpeza, máscaras de proteção e botijões de gás, além da conscientização com carros de som e o convencimento boca a boca para reforçar as instruções que evitam o contágio pelo vírus causador da doença. Em Paraisópolis grupos de voluntários organizaram inúmeras ações de doações, mantém um hospital de campanha, com UTI móvel e logística dos profissionais da saúde, além da distribuição de alimentos, água, colchões, produtos de limpeza e higiene, são também distribuídas diariamente mais de mil refeições para os moradores mais pobres da favela.
Na zona sul de São Paulo, no distrito do Jardim Ângela, dentre inúmeros coletivos e movimentos, a Sociedade Santos Mártires, uma referência na Defesa da Vida, nessa Pandemia se tornou abrigo para milhares de famílias, distribuindo mais de 15 mil cestas básicas, milhares de kits de higiene, máscaras, álcool gel, sabonetes, além 4.500 vale compras no valor de 300 reais.
Essas ações das coletivos e movimentos periféricos devem ser vislumbradas como parte do que Milton Santos chamou de “período popular da história”, em que o incontestável, a naturalização das desigualdades passam a serem questionadas, onde a verticalidade e o autoritarismo das práticas hegemônicas, são substituídos pela solidariedade dos lugares, pela horizontalidade e afetos das relações cotidianas.
Como outrora disse Dom Hélder Câmara:
O mundo não mudará pela ação isolada de líderes esclarecidos e sim pelo empenho comunitário de grupos de resistência e de profecia que se consagrem a transformar o mundo a partir de uma profunda convicção de fé no ser humano e na vida.
Dom Hélder Câmara – O Deserto é Fértil