Filho de pai pedreiro, uma parte da minha história (e de tantas outras pela quebrada) pode ser contada através do bloco, pedra, areia e cimento.
Caminhando pelas periferias é possível reparar em objetos, formas e cores. Não raro dá para enxergar vários blocos laranjas subindo um muro e uma nova casa sendo construída. Filho de pai que virou ajudante de pedreiro após perder o emprego em uma fábrica, cresci no meio de blocos, areia, pedras e cimento, então essa paisagem para mim é comum. Não dificilmente eu era solicitado para carregar alguns blocos em troca de umas moedas para um sorvete. Era alegria na certa. Quando o serviço era grande então, eu me sentia o próprio patrão, convidando algum colega da rua para passar a tarde toda carregando bloco. Eu não sabia, mas ali estavam sendo construídas histórias. Um espaço aberto agora se tornava moradia ou comércio, sendo aberto mais um capítulo para a história do meu bairro.
Papai tinha problemas com bebida alcoólica. Por diversas vezes “passavam a perna nele” e o dia de serviço não era remunerado. Eu ficava triste não só porque minha família não iria ter dinheiro para a mistura naquela noite, mas eu sentia como se a construção e meu pai não tivessem sido valorizados. Era como se o artista tivesse terminado a obra e não ser lembrado. Essa percepção, óbvio, eu tenho hoje, com vinte e tantos anos. Naquela época mesmo eu só queria o trocado para o sorvete.
E a periferia continua se expandindo. Meu pai faleceu quando eu era adolescente e parou de construir. Desde então, eu continuo sua história. Mas agora, ao invés de carregar blocos e erguer muros, eu carrego palavras e construo pontes. Pontes entre um passado não tão distante de um pai pedreiro e um futuro de um filho metido a jornalista, que faz da periferia não apenas sua moradia, mas sua razão de escrever.
Bom, esse texto é um pouco mais curto do que estou acostumado a fazer. Mas é proposital. Assim como as construções de quebrada, ele tem um prazo para começar, mas nunca para terminar. Com um puxadinho aqui, uma reforma ali, essa coluna vai tomando forma e sendo construída com ajuda de você, que lê o que eu tenho a dizer. Obrigado por também ser pedreiro ou pedreira da minha história.