Oprê ! Vinte anos pra achar a casa e oito anos tentando entender a casa que me achou. Nesses anos confusos, vi o tempo voltar, quando o “útero-roncó” me sugou e me cuspiu de volta, zerando todo o tempo que eu achava que já tinha por aqui.
A casa é uma experiência coletiva que é replicada e reinventada em respeito aos nossos mais velhos e mais velhas. A casa não é de aluguel, não foi comprada e não é minha.
Na porta de fora dela a gente roda água sobre a cabeça e pede que nosso ori se esfrie das andanças por aí nessa eira do mundão. Entramos! Omi tutu !
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Batemos forte na segunda porta… Toc, toc, toc! O dono dos caminhos ouve e nos recebe sorrindo. Agora sim podemos (re)entrar mais fundo na casa. Laroyê!
Mais uns passos e o dono das folhas ouve nosso chamado ao saldar as plantas e nos avisa que o banho está pronto. Suas folhas nos lambem e nós, mesmo sem esperar por surpresas, quando olhamos pro lado já estamos em outro lugar. Um lugar que ainda assim é ali onde lembrávamos que queríamos chegar.
A dona da casa nos avista e nos conta um causo, um saber ou uma história. Algo que nos parece aleatório e que vamos refletir melhor só daqui dois meses ou sete anos. Passado o tempo que for, será a hora de agradecer a ela pelo ensinamento. Essa senhora negra, que é nossa mãe, nos aponta algo e nos pede o que sabe que podemos e saberemos fazer, senão pelo tempo que temos na casa, pelo tanto que nos permitimos aprender com ela.
Na mesa da casa, os búzios trazem vários versos e números, que chegam a nós vindos da boca da nossa mãe maior. Chegam os versos, mas não chegam só aos ouvidos, eles vem pra abraçar o nosso coração e nossa alma. Nada, simplesmente nada é simples, portanto tudo o é. Parece confuso, e é.
Sentamos no chão da casa e aprendemos a comer com a mão, ouvir o silêncio e a dançar por dentro e por fora, vibrando e movimentando o nosso axé. Olhamos à volta e vemos que na casa há um espaço medido em metros e outro que é imensurável, que não pode ser medido.
O chão da casa é metáfora pra terra, o teto da casa, cheio de bandeirinhas, é metáfora pro infinito, pro indizível, saberes ancestrais que chegam até a gente por meio de palavras, de cantos, de arrepios e até mesmo de sussurros soprados pelo vento por alguém que já flutuou ou flutua por ali.
No chão da casa nós dançamos, nos deitamos, embalamos nossas crianças internas e botamos nossas cabeças curvadas em devoção. Nesse mesmo chão aterramos nossas corpas e firmamos nossa busca por paciência. Nossos pés se comunicam de forma fluída com o chão, numa língua que não sabemos e que não queremos traduzir, mas que tem significados.
Nessa casa o espelho fica do lado de dentro da gente, o ouro não vale o que valia e as matriarcas se afirmam e se combinam entrosadas. O mundo de fora, tão Ocidente e decadente, é repelido mesmo que insista muito em entrar, porque na casa cabe só aquele ou aquela que mereceu estar. A casa então não é pra todo mundo, embora esteja aberta a quem venha de coração puro.

Na casa temos os pés descobertos, o ori protegido e a consciência desafiada dia a dia. Saber que não se sabe nada, renascer, não tem preço, mesmo que às vezes custe muito desapego. Não é fácil aprender a dar mais do que receber. Não é pouco se dedicar sem esperar algo de volta e, por não esperar, aí sim receber.
Não há um caminho lento ou rápido pra adentrar a casa. Há caminhos múltiplos de afetos, convites e de saberes que vem da escuta e da observação. Um dia a casa simplesmente chega na gente, mesmo que a gente esteja distante dela. E quando ela chega a gente cabe nela do tamanho que somos, basta engolir o orgulho e saber mais ouvir do que falar.
Dia menos dia a nossa casa, aquela que a gente mesmo escolheu, alugou ou comprou, acaba também entrando na casa, na casa ancestral, na casa que teremos ligação mesmo depois de passar por aqui.
Na casa eu não me entendo, eu me relaciono. Na casa, irmão mais velho pode ser irmão mais novo e podemos ter quinze pais, vinte mães e ter a companhia dos nossos avós, que estarão por aqui, nos aconselhando de noite enquanto os tambores ressoam.
A casa que é de mais de uma família é ao mesmo tempo de uma família só. Pra partilhar, colher amor e muita fé, a casa se firma como inzo, terreiro, roça ou ilê axé. É nessa casa e em tantas outras que pedimos licença pra entrar e pra sair. Mojuba ô !