A carta: entre o passado e o futuro, um caminho ancestral

“Curar nossas feridas é fundamental para a libertação coletiva.” bell hooks

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Inicio falando da última sessão, onde refletimos sobre sonhos e sigo nisso, porém endereçando uma carta para vocês.

Desde cedo, escrevo cartas. Cartões de Natal, bilhetes de afeto e desejos que eu não sabia falar em voz alta. A escrita sempre foi uma forma de dizer aquilo que a voz não alcançava. Hoje, ao revisitar meus próprios sonhos realizados, percebo que continuo escrevendo cartas — agora, endereçadas ao futuro, com remetente no passado que me trouxe até aqui.

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Hoje já não sou mais uma adolescente, sou uma mulher de 54 anos, me tornei psicóloga somente aos 40 anos, além de ser negra, nasci na periferia e aprendi que os sonhos podem se realizar, mesmo que a vida me dizia que não, aprendi durante muito tempo, a silenciar meus desejos, mas nunca desisti deles. A psicologia e a psicoterapia me ensinaram a consultar meu próprio eu e descobrir que posso sonhar, desejar, comunicar e realizar. E que tudo isso é direito meu.

Meu caminho espiritual foi meu guia e sempre esteve presente, creio que ao escrever minhas cartas e descrever os meus desejos, pude realizá-los, a partir da minha fé. 

Meus guias são múltiplos, são nomeados como: Exu e a Lebara, são guardiães e abrem caminhos, orientam, protegem e me corrigem quando necessário, e também me mostraram o caminho da cura do lado feminino e masculino. Tenho os Orixás — Oxóssi e Oya, meu pai e mãe de cabeça, têm uma força que nem consigo descrever, tamanho o poder. 

Ele com sua flecha que tem seu objetivo e mira a atingir, e ela que sopra com bons ventos essa travessia — conquistei um caminho dentro do Ilê encontrei uma família. Tenho um Babalorixá e junto uma comunidade que faz parte da minha vida. E para minha surpresa, também as filhas que caminham comigo. Quem diria? Eu, que por tantos anos duvidei da minha capacidade de liderar ou de ser alguém no mundo.

Sobrevivi a dores profundas: à baixa autoestima, a desafios emocionais severos, ao racismo cotidiano que insiste em nos atravessar. Sobrevivi — e sigo vencendo. Por isso, hoje desejo construir caminhos que protejam outras pessoas, dando ferramentas para que possam reencontrar suas próprias forças, seus guias e sua espiritualidade enraizada na cultura do nosso povo.

Construí uma visão holística de cuidado. E acredito que ela pode salvar vidas — assim como salvou a minha. Aprendi que o futuro é ancestral. A sabedoria milenar está na nossa pele, na herança daqueles que se foram para que nós pudéssemos estar aqui. Por isso, tenho sonhos. Sonhos grandes. Sonhos coletivos.

Quero alcançar mais pessoas. Transformar dor em amor. Mostrar que ninguém precisa sofrer sozinho. De mãos dadas podemos construir e ser uma comunidade, cura, caminho. Desejo que meu filho, minhas filhas e filhes possam ser livres, sem perseguição por gênero ou raça. E sonho que, no próximo ano, o espaço sagrado que venho construindo seja realidade, para recomeços, para pertencimento.

A vida nos surpreende quando escolhemos crescer. 

E tudo é possível quando olhamos para a existência com complexidade, mas também com simplicidade. Porque os laços se fazem quando há amor e verdade. A destruição da confiança vem da competição, do medo e de um modelo de mundo que tentou nos destruir. Mas não conseguiu. A outra parte segue viva, firme, reconstruindo formas de existir com dignidade, comunidade e bem-estar coletivo.

Nunca estivemos sós. Nunca estaremos.

Que venha um novo ciclo — com mais vitórias, luz e Axé.
Feliz ano de caminhos abertos.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

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