“Carregar o pavilhão de uma comunidade de samba é muita responsabilidade”, diz porta-estandarte da comunidade Samba do Congo

Nega Porta-estandarte conta sobre a herança geracional do samba e o simbolismo de representar os valores da comunidade através do pavilhão.
Por:
Yasmin Turini
Edição:
Evelyn Vilhena

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Uma das marcas das comunidades de samba é a sua bandeira, também chamado de pavilhão, que representa as cores e valores daquela comunidade. Há oito anos, Nega Porta-Estandarte, 52, é quem carrega esse símbolo do grupo Samba do Congo. Modelo plus size, mãe e profissional da administração pública na área da cultura, Nega Porta-estandarte concilia sua trajetória pessoal de empoderamento enquanto modelo ao seu papel dentro da agremiação. 

Moradora do Horto Florestal, na zona norte de São Paulo, ela pontua que o samba é uma herança que precisa ser cultivada e um dos elementos que compõem esse movimento é a porta-estandarte, também chamada de porta-bandeira. É a partir dessa atuação que Nega Porta-estandarte se aproxima do Samba do Congo, comunidade criada no Morro Grande, região norte da capital paulista.

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A partir da tradição popular das comunidades negras, o samba se popularizou, principalmente em territórios periféricos ao se tornar também um movimento de expressão de identidades. Nega Porta-estandarte fala sobre essa herança histórica na construção de futuros através do samba. 

O que você sente ao carregar essa bandeira? Qual mensagem que você tenta transmitir nesse momento?

Carregar um pavilhão, seja ele num bloco de uma comunidade de samba ou uma agremiação de uma escola de samba, é muita responsabilidade. Você traz consigo todo o peso da comunidade porque é o símbolo maior daquele coletivo que você está representando. É um orgulho imenso, um amor imensurável. É o respeito e a honra, além das obrigações a cumprir. Normalmente, uma porta-estandarte não bebe, está sempre de saia ou alguma coisa representativa que honre o Pavilhão. É maravilhoso. É uma representatividade única que só vivendo para ter o entendimento da força que têm carregar o estandarte. É uma coisa de dentro para fora, como o Fernando [integrante do Samba do Congo] diz. Você acaba se apaixonando, a porta-estandarte é realmente apaixonada pelo seu pavilhão. Os olhos dela brilham quando ela impõe o pavilhão. 

Quais são os valores e os ensinamentos que o samba traz não só para sua vida, mas também para a comunidade? 

O samba traz essa liturgia, essa herança que precisa ser cultivada e não esquecida pelos nossos, sendo na zona norte, na zona sul, onde for. Precisamos reverenciar os que vieram antes e entender essa pavimentação para perpetuar a história. O cordão do Samba do Congo, por exemplo, na condição de carnaval de rua, tem a função de trazer as pessoas para fortalecer o coletivo. Porque você traz o idoso, a criança, isso é muito rico. As pessoas se sentem pertencentes e a função do coletivo é essa. No meu caso, como porta-estandarte. O Fernando, como compositor e administrador do Samba do Congo.

De que maneira a sua carreira como modelo pode impactar o senso de identificação e consequentemente empoderamento de outras mulheres, principalmente negras e periféricas? 

A função da porta-estandarte ou da porta-bandeira, é carregar o Pavilhão com elegância e isso entra em sintonia com a carreira de modelo. Porque quando você faz o curso de passarela, de foto, existem estigmas que você tem que seguir. Você tem que ser elegante, posturada, empoderada. Isso você consegue trazer para sua vida e para o exercício de porta-estandarte. Por ser uma mulher preta e periférica, me vejo como referência para meninas negras e para futuras porta-estandartes, que acabam se enxergando em mim. Quando estou nos ensaios das quadras da periferia, as crianças dizem que querem ser como eu. E eu mostro a elas que é possível chegar no lugar que eu estou, independente da cor de pele. Com postura, posicionamento e claro, capacitação. Afinal, fazemos cursos oficiais para nos profissionalizar na Fábrica do Samba, na AMESPBEESP, associações ligadas ao UESP (União das Escolas de Samba Paulistanas). Estudar para estar à frente.

O que você identifica como ponto crucial para manutenção e preservação do movimento samba, uma vez reconhecida a herança geracional que ele carrega até aqui?

Acho importante não esquecer a nossa ancestralidade, de onde nós viemos. Quando eu falo de liturgia, é sobre a história do samba. Na década de 40, os estandartes principais eram homens, eles que defendiam bravamente o seu Pavilhão. Precisamos dessa base histórica para olhar para o futuro e inovar para os próximos. A liturgia do samba tem muito para ser estudada e passada adiante. Ao falar de resistência, é preciso prestar atenção no que está atrás e ter exemplos, como o Mestre Gabi, que hoje é referência entre mestre-sala e porta-bandeira. 

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

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