MC Maria Preta, 26, moradora de Poá, Região Metropolitana de São Paulo, é MC, rapper e participa de diversas batalhas de rima, como a Batalha Dominação. É a partir dessas vivências e lugares que frequenta que a artista elabora sua carreira como um corpo indígena em diáspora.
Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, Maria Preta fala sobre os reflexos da sua ancestralidade e identidade na construção da sua visão de mundo.
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Como é o seu processo criativo?
Meu processo criativo sempre foi muito intuitivo. Minha arte simplesmente vem, não é algo que eu pedi ou estudei para fazer, embora eu estude sempre. Isso vem da minha vivência, sabe? Quando comecei a me entender como uma pessoa indígena em diáspora, percebi que nunca fui vista só como uma mina preta de quebrada. Tinham vários estereótipos que me colocavam e eu não entendia porquê. Quando entendi que isso vinha da minha ancestralidade indígena, isso começou a influenciar diretamente na minha arte e no meu trampo.
Como sua ancestralidade também reflete no seu processo criativo?
Eu sempre soube que minha bisavó era indígena, mas não entendia a importância disso até encontrar outras pessoas no meu meio artístico e social que também se identificavam como indígenas. Minha avó é do povo tupi-guarani, veio do Paraguai, mas a gente sabe pouco da história dela. Eu cresci com ela falando tupi e dialeto, então isso faz parte de mim. Na minha arte coloco propositalmente essa vivência e temas que acho importante. Eu sempre reafirmo que aqui é terra indígena, que o ‘Pindorama’ veio antes de ‘Brasil’. Mesmo que eu não fale sobre isso o tempo todo, minha presença, enquanto um corpo indígena e em diáspora, eu sempre vou estar imprimindo isso de uma forma ou outra, ainda que eu não fale no palco a minha presença fala por si só.
Você já enfrentou obstáculos por ser quem você é, tanto no rap quanto em outros cenários artísticos?
A gente sempre enfrenta obstáculos, né? No rap, desde que eu saio de casa já encaro olhares. Seja no trem, seja quando eu chego na quebrada, tem atravessamentos. Racismo, etnocídio, tudo isso acontece e a gente sente. O rap é um meio muito machista, a gente sabe disso, mas enquanto estamos fazendo a gente vai mudando o jogo. Por exemplo, hoje a final da batalha foi eu e a Laura, uma referência enorme para mim. Quando a gente está lá, [estamos] reafirmando e mudando as coisas. Essas pequenas ações são revolucionárias, minha existência é revolucionária, então a gente segue pregando o que acredita, mesmo sabendo dos desafios.
Quais suas referências e seu meio de apoio na cena?
Brisa Flow, Ana Bya, Katu Mirim, Quilabi, essas pessoas me ajudaram a enxergar minha vivência como uma pessoa originária. A gente precisa de referência para existir, né? Estamos abrindo caminhos para quem vem depois e até para quem veio antes. Minhas influências não são só de pessoas cis ou mães, mas também de pessoas trans e não-binárias que atravessam minha vivência por a gente entender mesmo que esse lugar [é] ocupado por diversos tipos de corpos […] A arte transforma, inclusive [nós] artistas, e minhas referências me moldam e me mudam.
Quem é Maria Preta e quem é Vitória Maria? Como elas se conectam?
Eu tenho aceitado e trazido para a minha vida, muito recentemente, a Vitória. Por mais de 10 anos eu vivi apenas a Maria Preta e só vivi para ela. Essa pergunta é especial porque estou me reencontrando enquanto indivíduo, não artista, embora, desde que eu era só a Vitória, sempre tenha sido artista. Mas quem é a Maria longe dos palcos? Eu comecei a me conectar com isso ao entender que as pessoas endeusam artistas, visualizam-nos de forma diferente. Tenho me reconectado com a pessoa que talvez eu tenha sido criada para ser, com as versões que em algum momento neguei. Estou num momento de reencontro comigo mesma, abraçando meus defeitos, traumas e dores. É aí que a Vitória encara a Maria, nesses momentos de cura e reencontro. Ser artista no palco é fácil, mas fora dele é que a coisa pega. Minha arte reflete o que sou. Antes tentava ser algo que não sou, mas sou muita coisa.
Onde a Maria Preta quer chegar? Qual vai ser o lugar dela no futuro?
Eu acredito muito que quem planta, colhe. O que tô plantando é tipo um pé de abacate: demora para dar fruto, mas quando dá, é rico e nutritivo. Eu quero ficar rica, sustentar minha filha com dignidade, ocupar espaços, pagar minhas contas sem dor, saca? E também ajudar outras pessoas. Acho que todo favelado quer isso: dignidade. Não é nem só sobre dinheiro, é sobre viver com dignidade, estou nessa busca.