“A primeira barreira do artista é sempre ele mesmo”, afirma Ganjão, rapper de São Vicente 

Artista independente fala sobre a influência das batalhas de rima na construção de sua trajetória e enquanto um espaço de acolhimento das identidades.
Por:
Gabriel Nascimento e Sthefani Neves
Edição:
Evelyn Vilhena

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João Pedro Tavares, 23, conhecido pelo nome artístico Ganjão, é do município de São Vicente, litoral de São Paulo, e há sete anos iniciou sua trajetória artística através das batalhas de rima como MC de rap e funk. Desde 2017, é organizador da Batalha do Caoz, que acontece na Praça Infante Dom Henrique, em São Vicente, com foco em pautar a representação de mulheres, pessoas trans e fomentar debates sociais pouco pautados na região, segundo o artista.

Ganjão conta sobre os processos de se manter enquanto artista independente e como se deu a construção da Batalha do Caoz, criada para a inclusão da comunidade LGBTQIAPN+ nas batalhas de rima, e se tornou um local de encontro para todos os interessados na cultura hip hop. 

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Nesses dez anos de caminhada, qual foi a primeira barreira enfrentada para entender o seu eu artista?

A primeira barreira do artista é sempre ele mesmo. Primeiro tive que entender que o que eu estava fazendo era arte, e aí fui expor depois. No começo era muito difícil saber se aquilo ali podia ser algo, porque antes estava só querendo me expressar. No final das contas percebi que era mais eu ter fé no que acredito, no que eu faço,  para conseguir fazer as outras pessoas também acreditarem em mim.

Como você quer que o público receba sua arte no primeiro contato? 

No hip hop a gente tem aquela parada de resistência que muitas vezes a galera já chega numa ideia de que ‘Ah, porque é hip hop, porque é funk é sujo, é violento’. Eu sinto que na real o que mais falo é sobre amor e resistência, não é tanto em relação a destruir, mas sim construir. Eu quero que as pessoas entendam isso, que vejam a minha arte como uma parte de mim, não como algo contra as pessoas.

Como surgiu a ideia da batalha do conhecimento no seu território e qual a importância disso?

A Batalha do Caoz começou porque a gente já [tinha] esse papel de fazer as batalhas de rima. Encostava um bonde só de mulheres, porque eu não tinha feito a transição ainda, mas aí toda a batalha a gente ouvia uma rima machista. Às vezes havia homofobia, transfobia e pensamos que não íamos mais fazer esse movimento de ir para as batalhas, [assim] criamos um espaço para a gente. Então a Batalha do Caoz surgiu nessa intenção de criar um espaço para as pessoas se sentirem bem de rimar. Sempre falo que foi uma semente que a gente plantou lá em 2017, que hoje é uma árvore grande com frutos, folhas e galhos enormes que acaba colhendo as outras pessoas, mesmo não sendo mulher, não sendo pessoa trans e LGBT, por ser um espaço mais tranquilo, uma batalha diferente [com] intuito diferente, é mais fácil das pessoas começarem a rimar e de aprender o que é o movimento hip hop.

Como você enxerga o desenvolvimento e futuro da sua carreira musical e da batalha? 

De um tempo para cá eu tenho [buscado] profissionalizar tanto a batalha quanto a minha carreira, acho que uma coisa não se solta da outra, porque faço a batalha e sou o Ganjão, o cantor. Então quando eu me apresento, geralmente, eu falo sobre a batalha e quando eu estou na batalha as pessoas [me veem] apresentando. A gente está caminhando para um lugar de profissionalizar, de ter mais recursos, de ter uma equipe para ajudar a fazer as coisas, porque é muito difícil ser independente. Tenho estudado para conseguir editais de cultura e fazer mais do que só por mim e pelos nossos, podendo profissionalizar as pessoas, pagar cachê, alimentação e transporte. Eu enxergo a gente bem grande daqui a um tempo, de um ano para cá muita coisa já mudou e eu tenho certeza que ano que vem muita coisa ainda vai mudar.

Como o seu corre agrega o território em que você vive?

Quando eu comecei a participar desse tipo de movimento não só como público, via muita coisa que não me agradava e achava que era só eu. Quando comecei a pontuar esse tipo de coisa que não me agradava, percebi que tem outras pessoas que também não se agradavam. Acho que quando começo a falar sobre a minha realidade, minha vivência, outras pessoas também acordam e elas continuam a acordar outras pessoas. Sinto que quando a gente começa a viver de arte, cultura, música e movimento social, conseguimos aprender muita coisa, passando para outras pessoas que se não tivessem contato com você não teriam aprendido também. É meio que uma troca de informação, de valores e um vai ajudando o outro sempre. 

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

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