O cientista social e pesquisador do Centro de Estudos Periféricos, Sandro Oliveira, responde à pergunta feita nas redes sociais do Desenrola.
Adotar a tarifa zero está entre as soluções mais importantes e imprescindíveis para garantir o direito à cidade para todas, todos e todes cidadãos. Essa é uma política pública adotada em alguns municípios brasileiros, como em Maricá, no estado do Rio de Janeiro e, recentemente, em São Caetano do Sul, na Região Metropolitana de São Paulo. Ela implica num potencial de circulação em que, paulatinamente, tende a melhorar as condições do trânsito, ao reduzir os congestionamentos, além de promover um bem-estar comum no quesito da qualidade de vida para o conjunto da população das cidades em que são aplicadas e esperamos que isso ocorra em breve em São Paulo.
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Histórico
Cabe destacar que a tarifa zero, que atualmente ocorre aos domingos em São Paulo pela atual gestão municipal, foi uma política criada e adotada originalmente na gestão da prefeita Luiza Erundina (1988-1992), na época do Partido dos Trabalhadores. Essa política foi criada pelo então Secretário de Transportes da Erundina, o engenheiro Lúcio Gregori, que implantou parcialmente a tarifa zero em finais de semana e em alguns bairros como em Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo (com os ônibus circulares). Ele pretendia ampliar para toda a cidade, mas foi boicotado pelos empresários de ônibus das empresas privadas, que não permitiram e até sabotaram essa proposta.
Gregori desde então vem fazendo a defesa de que em vez de a cobrança do “custo do transporte” ser por catraca, que pudesse haver uma mudança para a cobrança por quilômetro rodado, que poderia estimular inclusive as empresas privadas em investirem em mais ônibus para a circulação, já que quanto mais circulação, mais ganham, A catraca é o inverso: poucos ônibus, ônibus lotados e muitas vezes em situação precária. Por isso, a tarifa zero apenas aos domingos tende a não ser funcional plenamente para os/as trabalhadores/as que vivem e habitam as periferias da cidade, porque o intervalo dos ônibus tornam-se mais demorado e há uma quantidade menor de ônibus circulando.
Mas a tarifa zero aos domingos é uma medida importante para viabilizar a circulação de pessoas que sequer saem do bairro em que moram por não dispor de recursos para o transporte, ao permitir o lazer, a circulação e a apropriação para outras partes da cidade por esses/as trabalhadores/as. Todavia, esse experimento aparece como um piloto para verificar as possibilidades de implementação da tarifa zero na cidade, algo que seria fundamental, já que o transporte não deve ser tratado apenas como serviço, mas como um direito social, tal como a educação, a saúde (SUS), etc.
A importância das empresas públicas e o combate a privatização
Outra questão para a implementação da tarifa zero é a retomada das empresas públicas de transportes. Em São Paulo existia a CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos, fundada em 1949 e privatizada na gestão de Paulo Maluf em 1993. É fundamental haver empresas estatais de transporte que, inclusive, há uma urgência em colocar a questão da importante pauta de reestatização do sistema de transporte, a exemplo do SUS que é uma política pública de Estado, para garantir o transporte como direito social e viabilizar a tarifa zero, já que empresas estatais não visam lucro. Em muitos países como Alemanha, por exemplo, há um processo de reestatização de empresas que foram privatizadas nas últimas décadas. Não podemos cair no mito ideológico do “mercado virtuoso versus estado ineficiente”.
Por isso, o Estado precisa assumir o seu papel de regulador da sociedade, dos espaços sociais e da circulação, independentemente de seus governos, ao também operar o transporte como fez em outras épocas aqui em São Paulo, seja pela CMTC ou mesmo pela EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), e como faz ainda pelo Metrô (Companhia do Metropolitano) e CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), empresas estatais fundamentais para o transporte de massa ameaçadas de privatização pela atual gestão do governo do Estado de São Paulo, na contramão da tendência mundial de reestatização e melhoria dos serviços públicos de transportes. A grande questão é que a gestão de uma cidade, Estado e país passa pela ação de governos e, muitos destes, não atende os interesses do conjunto da população, apenas os interesses de grupos econômicos e políticos vinculados ao seu programa de governo.