Em meio aos crescentes casos de covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, o álcool em gel deveria ser comercializado? Confira a opinião de farmacêuticos que trabalham ou moram nas periferias de São Paulo.
Na última sexta-feira (20), o governador de São Paulo, João Dória firmou um acordo com a Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias), no qual as farmácias teriam que comercializar o álcool em gel a preço de custo em todo o Estado. Até o fechamento dessa reportagem, o valor médio do produto encontrado nas farmácias visitadas foi de RS 19,90.
A medida tomada pelo governo estadual tem conexão com o período de avanço da pandemia de Coronavírus na cidade de São Paulo, no qual um fenômeno de consumo assustou moradores das periferias que tentavam ir até farmácias localizadas nas regiões leste, sul, norte, oeste e centro da cidade: não havia álcool em gel 70% disponível para compra e nem estoque e nas raras vezes que encontravam o produto, o preço abusivo surpreendia os consumidores.
O álcool em gel 70º é um produto que pertence à classe de medicamentos sanitizante, utilizado principalmente em estabelecimentos industriais e comerciais. Ele tem a finalidade de reduzir a quantidade de bactérias nocivas à saúde humana a níveis considerados seguros. Durante a pandemia de coronavírus, a mão é o principal membro do corpo humano que passa por aplicações do medicamento, devido ao fato de estar em constante contato com diversos ambientes de contaminação.
Atento aos impactos dos preços abusivos nos moradores das periferias o Desenrola entrevistou farmacêuticos que estam na linha de frente de combate à pandemia, atendendo a população que vai a todo o momento nas drogarias à procura de máscaras e principalmente do álcool em gel 70%.
“O governo tem condições de subsidiar para serem gratuitos em qualquer tipo de estabelecimento, mas aqui no Brasil é um mundo capitalista, então só vive em torno do dinheiro”, argumenta o funcionário de uma farmácia localizada no Jardim Ângela, zona sul da cidade, que preferiu não ter sua identidade revelada.
Para ele, a falta do produto nas prateleiras não tem uma ligação direta com as farmácias, mas sim com os fornecedores. “Primeiro são os subsídios que o governo não tava dando. Isso é certeza e foi essa a informação que chegou pra gente, entendeu? Tem muito nos depósitos das empresas, porém o subsídio que o governo estava dando pra eles não estava sendo o suficiente para eles liberarem o produto”, afirma ele, ressaltando: “chegou isso pra nós aqui.”
O depoimento do farmacêutico tem conexão direta com a medida adotada pelo ministro da economia, Paulo Guedes, que decidiu reduzir alguns impostos sobre medicamentos ligados ao combate do coronavírus, entre eles o IPI (Imposto sobre Produto Industrializado). No entanto, tal medida ainda não apresentou efeitos diretos no bolso do consumidor, pois o abastecimento e o preço continuam comprometidos.
Letícia Lourenço, moradora do Jardim Coimbra, zona sul de São Paulo, mora com sua mãe e o irmão. Ela afirma que já foi duas vezes a farmácia, mas não obteve êxito de encontrar o álcool em gel. “Me sinto vulnerável, pois é um produto que está sendo essencial pra não contrair a doença”, conta ela. Enquanto ela permanece na saga para achar o produto, está usando detergente e sabonete líquido para higienizar as mãos, mas o problema maior é quando necessita sair de casa, momento onde o uso do álcool em gel é se faz fundamental.
Mesmo com movimentações do governo Federal e Estadual para redução de preço, o álcool em gel continua sendo comercializado com acesso restrito a poucas pessoas. Esse cenário tem incomodado o farmacêutico de uma grande rede de farmácias, que mora no Jardim Ângela e trabalha no centro de São Paulo.
“A procura está sendo muito grande. E quem chega a encontrar o produto, no caso, o álcool em gel, estão comprando além do que precisa com receio da falta, mas o problema é que as outras pessoas precisam também para estar colocando em casa, seja um ou dois, não estão conseguindo comprar. Não estão pensando na família do próximo.”
Enquanto o poder público não tomar uma medida mais drástica, as farmácias que pertencem a empresas privadas continuarão com a responsabilidade de intermediar o consumo de um produto essencial para a população para o combate a coronavírus.
A cronologia dos preços do álcool em gel
Antes do acordo realizado pelo governo do Estado, a nossa equipe de pesquisa encontrou o álcool em gel de 500 mg a preços que chegou a ultrapassar 24 reais. Além disso, em alguns estabelecimentos não havia previsão de chegada nas prateleiras.
Entre os dias 15 e 19 de março, o Desenrola percorreu 20 farmácias localizadas nos seguintes distritos da cidade de São Paulo: no Jardim Ângela e Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, o preço médio do produto ficou em torno de R$ 21; em São Mateus, distrito da zona leste da cidade, o valor médio foi de R$ 19; já no Rio Pequeno, zona oeste da capital, o preço médio nas farmácias visitadas foi de R$ 23.
Após o dia 20 de março, data do acordo firmado entre o governo do Estado de São Paulo e a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias, o preço do produto sanitizante ficou congelado no valor de R$ 19,90. A nossa reportagem perguntou para os farmacêuticos se esse preço erra correto e justo.
“Antes da crise tava saindo à base de R$ 12 a R$ 13 o vidro grande de um litro. Agora, depois disso aí, foi a R$ 34 no início né. Agora o governo delimitou a 19,90. O preço máximo que chegou a custar aqui foi de R$ 23”, conta o farmacêutico de uma farmácia no Jardim Ângela, revelando que embora o valor tenha reduzido, o valor do produto deveria estar bem mais barato se fosse mantido pelas farmácias o valor cobrando antes da pandemia de coronavírus.
Segundo o morador do Jardim Ângela, que trabalha numa farmácia no centro de São Paulo, o preço do álcool em gel 70% de 500 mg também estava bem mais barato antes da pandemia chegar a São Paulo. “Antes da crise, o pote de álcool em gel estava saindo por R$ 15. Hoje na frente do metro, as farmácias estão vendendo por R$ 25 e até R$ 30.”
O Procon, Fundação ligada a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, entidade responsável por garantir a efetividade do código de defesa do consumidor tem realizado uma fiscalização rotineira em farmácias em todo o estado para impedir a cobrança de preços abusivos, no entanto, os depoimentos dos farmacêuticos entrevistados pelo Desenrola reafirmam que o interesse econômico ainda está acima da realidade socioeconômica dos moradores das periferias.