Técnica sustentável, ‘upcycling’ ainda é vista com preconceito na periferia, diz estilista.

Imagine só: você tem várias peças de roupas que não usa mais, que estão paradas há algum tempo, e talvez até um pouquinho velhas, mas, ao invés de jogá-las fora, você transforma tudo em peças totalmente novas e únicas.
Por:
Zaya da Silva
Edição:
Simone Freire

Leia também:

É essa a proposta do upcycling, técnica de reaproveitamento de resíduos têxteis, transformando tudo num produto novo com maior valor funcional e estético. Tudo isso, sem a necessidade de reprocessamento dos tecidos, o que reduz gastos com energia e consumo de água. Incrível, né?

Apesar dessas vantagens, a técnica é vista com certo desprezo pelas pessoas, segundo Luã Ayo Ayana, 25 anos, educador, produtor criativo e artista têxtil há mais de 8 anos.

“Se não é novo, então não presta, não tá valendo, vai estragar, é ruim […] Eu já escutei muita coisa assim. Ainda tem muito preconceito dentro da própria periferia”, diz Luã, morador da Chácara Santana, no distrito Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo.

“As pessoas têm muito preconceito e não querem dar um valor justo para uma peça. Pagariam um valor alto numa peça de uma marca famosa, mas não pagariam R$100 numa peça de upcycling porque a enxerga como lixo.” – Luã Ayo Ayana, educador

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

Cadastre seu e-mail e receba nossos informativos.

Da quebrada para a quebrada

Nas periferias de São Paulo, o upcycling em si ainda não é amplamente disseminado como mercado da moda, mas Luã lembra que suas técnicas sempre estiveram presentes culturalmente nesses territórios, que, por falta de condições financeiras, sempre precisaram achar alternativas para se vestir.

“Essa ideia de pegar roupas antigas e transformar é uma coisa que eu já vejo na quebrada faz muito tempo”, diz.

O que pode confundir muita gente é o uso do termo em inglês: upcycling, em português, significa “reciclagem”. Neste sentido, explica Luã, quando pensado no mundo do mercado da moda no Brasil, hoje tem se discutido o uso de outros termos para tornar a técnica mais acessível no país.

“A gente ‘catou’ esse termo, mas para mim sempre faltou uma coisa mais brasileira que conversasse mais com o meu corpo, que é o corpo dissidente. Daí eu conheci o termo ‘transmutação’, dentro de um curso do ateliê Vou Assim. Depois disso, eu comecei a me apropriar desse termo”, explica.

Luã em desfile da Casa de Criadores para o ateliê Vou Assim + DCRLHS em 2024. Foto: Acervo Pessoal.

Hoje, existem movimentos para que a transmutação têxtil chegue a mais pessoas nas quebradas, a fim de difundir essa técnica. “Meio que esse ‘babado’ de passar para frente o conhecimento para que ele seja difundido. […] Na Fábrica de Cultura Jardim São Luiz tem um curso de moda, que lutaram muito para conseguir fazer acontecer”, explica Luã.

Estilo e sustentabilidade andam juntos

Temas como sustentabilidade e estilo precisam andar lado a lado. Afinal de contas, ser consciente não impede ninguém de se sentir bem e estiloso. Além disso, achar técnicas sustentáveis na moda é uma emergência climática. 

Estima-se que o mundo gere hoje cerca de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano, e o Brasil, 4 milhões de toneladas anuais, segundo dados da Fundação Ellen MacArthur, ONG internacional.

Luã e alunos tirando medidas durante aula de transmutação têxtil. Foto: Acervo Pessoal

Técnicas como o upcycling ou transmutação têxtil ajudam na redução de resíduos têxteis que vão parar em aterros sanitários e impactam o meio ambiente.

Desta forma, podemos dizer que o upcycling é também um movimento de contra-cultura da moda, uma vez que se opõe ao consumo rápido e descartável, propondo uma moda mais consciente e personalizada. Esse movimento acabou se tornando símbolo de uma cultura alternativa adotada por movimentos artísticos socioambientais.

E aí, conta pra gente, já conhecia essa técnica? Como a moda upcycling pega aí na sua quebrada?

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação do laboratório de produção de conteúdo Você Repórter da Periferia 2.0 (VCRP 2.0), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

Cadastre seu e-mail e receba nossos informativos.