Opinião

Violência e combo eleitoral: as promessas que jamais poderão ser cumpridas

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A ideia de que a violência ensinaria essas pessoas percorre os anos mais do que a ideia de que palmada resolve “birra” de criança, assim perpetuamos uma linguagem: violência. 

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Ato de 2019, em homenagem à Evaldo Rosa, executado com oitenta tiros de fuzil disparados por militares do Exército em Guadalupe na zona Oeste do Rio de Janeiro – Foto: João Victor,

Ao longo dos anos é evidente que a sociedade brasileira vem vivenciando uma série de violências, até por questões estruturais, como já disse em outro texto: ainda carregamos o peso de termos sido uma colônia no passado. Mas para além disso possuímos um sistema político fadado a se alimentar da violência que produz, algo que vem aumentando e se intensificando nos últimos 4 anos principalmente e é sobre isso que iremos refletir neste texto.

É comum assistir propaganda onde os candidatos a futuros parlamentares prometem acabar com a violência, sempre carregados por ideias extremas e que vem junto a uma justiça única: a morte. Não permitindo nenhuma brecha para debate e acusando qualquer um que queira se aprofundar no tema de “defensor de bandido”, será que é tão simples? Será que o produto da violência é o indivíduo? E será que seu pagamento é a morte? Ou a contra violência? 

Aqui não estou relativizando o que é crime, mas procurando entender como uma sociedade punitivista ainda produz tanta criminalidade. 

Além das ruas estarem vivenciando um aumento de roubos e furtos, bem como uma problemática específica ligada a população em situação de rua (que aumentou 31% até 2021 de acordo com dados da SMADS) que vem vivenciando ataques policiais entre outras políticas violentas do Estado (que não promove nenhuma política pública voltada ao acolhimento), São Paulo também vivenciou o aumento da violência policial como um todo, em 2020 vivemos um recorde de violência que decaiu segundo aos dados desde 2021, contudo os relatos sobre tratamentos abusivos, racistas e violentos não são novidades para a população principalmente preta, pobre e moradora da periferia.

Tudo isso por si só constrói a narrativa eleitoral necessária para a apelação emotiva, a violência é o maior problema do Brasil e as soluções vão ser muitas, mas em sua maioria estarão alinhadas com mais violência ou com perspectivas de países que nunca foram colonizados, será que se houver pena de morte em um mês a violência diminui? Quem “está” no “crime” teme a morte?

Assim o Estado mostra seu poder de decidir quem vive ou morre, escancarando isso por meio do discurso dos representantes do povo que constroem mais cadeias que escolas e que se preocupam em dizer sobre os benefícios de algumas cadeias onde a situação fere os direitos humanos, uma lição: tomar banho frio, viver com ratos, baratas, comer comida podre, ver sua família ser humilhada ao te visitar. 

Primeiro ato organizado pelo Passe Livre contra o aumento na tarifa dos transportes de São Paulo, Republica, SP, 10/01/2019. Foto: João Victor Santos

A ideia de que a violência ensinaria essas pessoas percorre os anos mais do que a ideia de que palmada resolve “birra” de criança, assim perpetuamos uma linguagem: violência. Que se resolve com violência, mas nunca violência a quem nos “ordena”, uma violência com hierarquia e direcionamento. 

Assim seguimos por eleições em que parte dos candidatos (incluindo alguns que já foram militares) se ocupam de discorrer sobre a violência no país e na cidade, mas jamais resolvem o problema. Se é dada uma solução que não seja violenta, logo é defesa de bandido, mas parte deles não seriam eleitos sem a participação da violência no marketing político.

Todo esse contexto gera: desespero, insatisfação, antipolítica e reatividade. O que auxilia no processo de emoção na hora de “vender o peixe”, atualmente a antipolítica tem beneficiado toda a sorte de candidatos que ao verem Bolsonaro ganhar por excesso de pessoas escolhendo não votar, perceberam que nem tudo é sobre conseguir votos e gastar tanto dinheiro na tv.

O uso de ferramentas digitais nas redes é cada vez mais comum e isso facilita o processo de interação com a população que já está insatisfeita ao ver Siqueira Júnior falar sobre como bandido se dá bem no Brasil e ainda assiste uma live dos nossos vereadores contando sobre como impostos prejudicam nosso cotidiano, eles só esqueceram de dizer quanto ganham, como ganham, como funciona o sistema econômico do país e o tempo de trabalho deles diariamente.

Assim estamos alimentados com um combo de estímulos sobre violência, mas ninguém ousa falar que parte da população carcerária nem passou por julgamento, em sua maioria é composta por pessoas pretas e que cometeram crimes relacionados a tráfico de drogas, furto e roubo (deixando ainda margem para o debate de pessoas que estão encarceradas sem julgamento), e sim, por incrível que pareça a dimensão dos dados não é tão parecida com a de Siqueira Júnior dançando forró enquanto reforça na mente do telespectador uma mensagem: você não está seguro. 

Foto tirada por mim mesma na Rua Augusta, uma criança que estava vendendo balas recebe um lanche de um homem que estava bebendo neste bar

Assim ninguém pode falar de um Estado que quis dar ração as crianças, que mata e que deixa pessoas morrerem nas ruas, que não pensa em novas políticas de educação mas constrói um sistema educacional que incentiva a exclusão escolar do jovem que trabalha, assim muito antes de se tornarem adultos entendem que o dinheiro vale mais que o saber e que a escola não é lugar para quem não tem o que comer.

Mas o Estado pode dizer que na periferia mora a violência e que a solução para isso é mais violência e que mesmo que de 4 em 4 anos o debate seja o mesmo, dessa vez eles irão erradicar a violência, uma violência que faz parte desse solo antes das políticas republicanas, antes dos acordos entre famílias, antes do latifúndio ser beneficiado, antes da ditadura arrastar indígenas como um caçador arrasta uma caça, antes do Agro TEC, Agro POP e Agro TUDO destruir nossa alimentação.

E se você disser tudo isso a eles, dirão que você não está contando a verdadeira história do Brasil… um país que recebeu o nome daquilo que foi saqueado e que até hoje se aluga para quem insiste em nos colonizar.

As eleições são só uma forma de escancarar que a história que contam sobre nós está recortada nos moldes para negar que esse sistema sustenta famílias que nunca foram e nem serão pobres, famílias de “renome” e que recebem até nome das ruas, hospitais, famílias que sempre foram políticas, mas até hoje não resolveram a violência que contam que é o mal do país. Será que não temos solução?

Um país de muito trabalho que não tem como trabalhar, um país de muita beleza que teme o futuro. Um país e um choro: Brasil.

“Mas branco morre todo dia também.”
Oh parça, nós somos a maioria da população
Se cada negro matasse um
Ceis entraria em extinção”

Fragmento de poesia de Celinda

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