ENTREVISTA

“Segurança alimentar não estava no plano do governo”, diz Conselheira Municipal sobre demandas da população periférica

Edição:
Evelyn Vilhena

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Representante titular da sociedade civil no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional desde 2018, Maria Angélica reforça a importância da conexão com o território para entender as demandas da população na garantia de segurança alimentar aos moradores

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Reunião do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional que aconteceu em outubro de 2019.Foto: divulgação

A luta de mães e mulheres que historicamente buscam segurança alimentar dentro de suas comunidades, foi uma das referências para Maria Angélica, que desde 2000 atua como líder comunitária na Cohab Raposo Tavares. Ligada às ações sobre alimentação de qualidade dentro e fora de seu território, foi pela defesa dessa pauta que, em 2018, se tornou representante titular da sociedade civil no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, em São Paulo.

“Quando eu vou pro conselho, eu vou representar esse território. Não é a minha luta apenas, é a luta delas”, afirma a Conselheira, que também teve como referência a Casa do Betinho, localizada no Jardim Jaqueline, zona oeste de São Paulo, uma associação organizada por moradores que reunia lideranças da pastoral da criança, pesquisadores e pessoas que buscavam impactar o governo local diante da fome no território.

No início dos anos 2000, a Casa do Betinho começou a produzir e arrecadar comida para os moradores, e se tornou um grande ponto de distribuição de alimentos. Foi a partir dessa movimentação que outros centros de referência alimentar foram criados por mulheres e mães para garantir a alimentação dos filhos, tendo como base as demandas locais.

“Foi nessa época que eu criei muitas referências nas mulheres que estavam ali e pensavam: bom, a panela está vazia e meus filhos com fome, como é que eu vou fazer?”, enfatiza a conselheira, e ressalta que junto às ações da Casa do Betinho, lideranças locais lutavam para ter uma sede que funcionaria como ponto de distribuição, contribuindo assim na construção do Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (CRESAM) no Butantã, o primeiro da região. 

Com a falta de retorno do poder público para fornecer alimentação segura à população local, a conselheira se aproximou ainda mais das urgências do território, auxiliando mães solo, donas de casa e pequenos comerciantes. Contudo, afirma que dentro do Conselho, percebeu as barreiras para fazer com que esse assunto fosse pautado entre as demandas.

“Quando a gente vai pra segurança alimentar, lá no Conselho eu encontro uma barreira enorme que era a conexão do que os territórios estavam fazendo e como encaminhar essas demandas de maneira certa [para o estado], e o pessoal que tá no governo ignorando completamente isso”

relata.

Maria Angélica conta que esse é o principal obstáculo enfrentado pelos conselheiros: fazer com que o poder público entenda quais são as demandas da população periférica, e que essas demandas se alteram em cada território.

Foi a partir dessa percepção que ela e outros 58 conselheiros do estado de São Paulo, começaram a luta para inclusão de alimentação dentro de um plano de governo, que até então não estava nas propostas de nenhum governante, antes mesmo da pandemia. 

Todos os conselheiros da atual gestão do COMUSAN. Foto: divulgação

“Percebemos que segurança alimentar não estava no plano do governo, então quando chega a pandemia a gente viu explodir de tal maneira [a busca por alimentos]”

relata, sobre a experiência de buscar por doações e cestas básicas no auge da covid-19.

Segundo ela, diversas vezes se deparou com lacunas que não garantem direitos básicos para a periferia, pois, em muitos casos, o poder público entende que é campo de atuação da iniciativa privada, principalmente na pandemia.

“Escuta, poder público, vocês estão divulgando isso e aquilo, mas isso está vindo da sociedade civil, isso não é política pública”, relembra Maria Angélica sobre sua reação quando presenciou campanhas governamentais divulgando programas de doação organizados pelos moradores do bairro.

Diante disso, o Comitê começou a busca por capacitação de mães, líderes comunitárias e o desenvolvimento de iniciativas como cozinhas comunitárias e agricultura familiar para dar auxílio a essas mulheres. Liderado por ela e diversos outros conselheiros, também foi criado um comitê de crise diante da situação pandêmica.

“Criamos o Comitê de Crise do Conselho Municipal. Fizemos um mapa da fome naquele momento [para entender] onde estavam essas comunidades, essas famílias”

afirma.

Conselheiros da atual gestão reunidos após reunião. Foto: arquivo pessoal

“Vinham associações de bairros legalizadas e institucionalizadas com CNPJ tudo direitinho e também aquelas estavam num bairro em que não chegava nada, aquela pessoa que responde pela comunidade, não tem nenhuma documentação oficial, mas que está ali pelos moradores”, explica sobre o processo de distribuição de cestas básicas que aconteceu através do Comitê, onde moradores e associações captavam recursos para distribuição no território.

Maria Angélica ainda reforça que a busca por alimentação saudável e de qualidade faz parte da luta do território, realidade que por morar em um contexto periférico, estar próxima a ocupações e por ter a vivência no Conselho, sempre presenciou.

“Tem vizinhas que dividem a mistura, dividem a comida com a vizinha que está lá numa ocupação, que está sem gás, que não conseguiu fazer um bico, seja uma unha, seja uma faxina, seja o que for”, pondera a conselheira, e reforça que mesmo diante da insegurança alimentar a comunidade permanece unida, porém, é obrigação do Estado tomar partido dessa responsabilidade e não do cidadão civil.

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