“O movimento mudou a minha vida”: conheça a trajetória política de Débora Pereira

Na primeira entrevista da série trajetória política, Débora Pereira conta como o MTST mudou sua vida e a relação com a política institucional. Ao longo do mês de março, o Desenrola vai contar histórias de mulheres indígenas, negras e periféricas que se dedicaram a atuar na política, a partir das vivências em seus territórios. 

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Enraizada nas lutas pelo direito à moradia junto a moradores da Ocupação Novo Pinheiro, localizada no município de Embu das Artes, Débora Pereira de Lima, 34, é uma mulher preta licenciada em Matemática pela Universidade Ibirapuera e integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Ela é moradora da Vila Aurora, bairro da região noroeste da cidade de São Paulo.

“Eu ajudo no levantamento das demandas em cada região e também na orientação de como pode se obter êxito nas suas reivindicações, cumprindo o papel de mediadora das demandas da comunidade em relação ao poder público”, explica Débora sobre a sua atuação no MTST.

Filha de mãe baiana e pai mineiro, Débora conta que o seu envolvimento com a participação política surgiu na juventude, quando era estudante de escola pública. “Lembro que na minha adolescência eu participei do grêmio estudantil na minha escola, também participei do núcleo da Educafro, coisas que eu só comecei a entender como política recentemente” relembra ela, enfatizando que hoje ela enxerga que a juventude vem cumprindo um papel importante de transformação da política.

Para ela, a política está presente no cotidiano das pessoas, seja nos meios de comunicação, na escola, quando um grupo resolve se organizar para reivindicar algo ou uma bandeira, está presente nos movimentos e nos coletivos. 

“O movimento mudou a minha vida”

Débora Pereira de Lima

A integrante do MTST conta como o movimento social foi importante na vida dela, para que ela começasse a entender e olhar a política com outro olhar. “Eu comecei a entender a política quando entrei para o MTST, antes disso eu não falava em espaços públicos, achava que mulheres não podiam estar nesses espaços. O movimento mudou a minha vida”, afirma.

Após esse processo de descoberta, Débora conta como a sua rotina se transformou. “Minha rotina se baseou em contribuir para luta por moradia nas ocupações, e ajudar na mobilização do nosso povo para as mais diversas atividades e ações e ainda tive a possibilidade de me candidatar como vereadora em uma chapa coletiva. Começar a entender de política me fez entender o meu lugar no mundo, o lugar que podemos ter no mundo e como podemos lutar para alcançá-lo”, descreve.

Em 2020, a trajetória de Débora foi marcada pela disputa das eleições municipais com a candidatura coletiva Juntas, composta por três mulheres que integram o MTST, que se dedicaram a concorrer a uma cadeira de vereador na Câmara Municipal de São Paulo.

Débora conta que a JUNTAS nasceu em 2019 com três objetivos principais: ter representatividade de mulheres negras da periferia; transformar a política atual; e aproximar a população das decisões das políticas institucionais. “Em 2019 realizamos o primeiro encontro de mulheres sem teto, e nesse encontro chegamos ao consenso de que o MTST precisava entrar na institucionalidade para que suas pautas fossem levadas diretamente. E nossa chapa teria que ser como a maioria do movimento é: mulher, preta e periférica”.

“A ideia de ser vereadora surgiu com debates dentro do MTST e dentro de uma reunião com mais de 600 mulheres do MTST. Nesta reunião debatemos a falta de representatividade nos espaços institucionais e a representatividade de mulheres negras da periferia”, relembra.

O ambiente de trocas de conhecimento do bate papo com mais de 600 mulheres foi fundamental para Débora se convencer da importância de ser co-vereadora de uma chapa coletiva. “O mandato nasce na ideia de como o MTST se organiza e como todas as decisões são tomadas de formas coletivas, então decidimos pegar nossa experiência para formar um mandato, e tivemos a referência de uma militante nossa que foi eleita em Pernambuco dentro de um mandato coletivo”, conta Débora, resgatando o nascimento do mandato coletivo e também sua participação.

(Foto: Tom Lopes)

“Queremos nosso mandato aproximando a população do debate político e institucional”

Débora Pereira de Lima

Ela ressalta a importância do mandato coletivo para o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. “Para nós, um mandato coletivo vai além da quantidade de pessoas que estão na disputa como co-vereadoras. Para nós, um mandato é coletivo a partir do momento que as decisões que são tomadas estão abertas para o debate, para a população discutir, para que a maioria construa as suas pautas, é assim que queremos nosso mandato, aproximando a população do debate político e institucional”, define.

Débora traz o sentimento de formar uma chapa coletiva e também as ideias sobre não ganhar nessa eleição, mas continuar dentro das lutas e mobilizações pelo direito a moradia. “Ser vereadora nessa cidade é legislar para o interesse da maioria, principalmente para os mais vulneráveis. Ser vereadora representaria um desafio para nós, pois são espaços historicamente negados. Portanto, representar nosso povo na maior casa legislativa do Brasil seria uma responsabilidade imensa”, avalia.

Atualmente, Débora continua com a fiscalização das políticas públicas destinadas à população mais vulnerável da cidade, acompanhando o trabalho do Gabinete Paralelo, uma iniciativa articulada por Guilherme Boulos, candidato a prefeito pelo PSOL nas eleições municipais de 2020, que faz balanços periódicos e proposições para a cidade, em oposição à gestão do atual prefeito Bruno Covas.

O mandado coletivo Juntas é composto por Débora, Jussara E Valdirene, mulheres que são lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. 

 Transformação da política institucional

Débora considera que a ocupação dos espaços políticos e de decisão dos rumos da sociedade por minorias sociais indicam um caminho de atuação, no qual, certos debates serão aprofundados socialmente via ação institucional.

“É difícil mudar algo estruturalmente seguindo a institucionalidade, mas entendemos que aumentar nossos números de representantes nesses espaços significa resistir e pautar um debate amplo, que nos faça crescer enquanto oposição e viabilize nossas ações transformadoras”, opina.

Ela finaliza a entrevista enfatizando a importância do voto no Brasil. “O voto significa exercer o seu direito como cidadão. Não é um direito simples, porque sabemos dos problemas da nossa democracia e do nosso processo eleitoral. Mas a conquista foi obtida pelo sangue e suor de muita gente, e devemos valorizá-lo. Não votar hoje, a depender do cenário, pode significar se omitir diante de um momento tão trágico no Brasil”, conclui. 

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