“Meu fazer artístico é sobre mim e não sobre as violências”, afirma a artista Micaela Cyrino

Edição:
Evelyn Vilhena

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Através de diversas linguagens artísticas, Micaela Cyrino comunica sobre si e sobre os estigmas e preconceitos em torno da aids e do HIV, com foco na população negra.

Pinturas, performances e intervenções na rua são algumas das manifestações artísticas utilizadas por Micaela Cyrino, que em sua arte aborda sobre o corpo negro soropositivo e seus atravessamentos. Nascida em 1988, na Subprefeitura da Capela do Socorro, zona sul de São Paulo, a artista também é produtora cultural e integrante do Coletivo Nacional Trovoa, levante de mulheres radicalizadas nas artes.

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Formada em artes visuais, a artista é soropositiva desde criança, contraída através de transmissão vertical – que ocorre na gestação, no parto ou na amamentação. O contato com a arte não é algo novo para ela, que desde a adolescência já fazia aulas de escultura, cerâmica e pintura.

Micaela conta que sempre separou seu fazer artístico da sua militância no contexto do HIV por achar que as duas coisas não se misturavam, mas ao ingressar na universidade sentiu a necessidade de realizar essa junção.

“Meus primeiros trabalhos diretamente sobre HIV foram performances. Eu faço meus figurinos e em um determinado momento eu comecei a colocar palavras no figurino”, recorda a artista, que ressalta sua conexão com a pintura, costura e o bordado.

Após uma residência artística no Equador, onde a temática era HIV, a artista fez algumas performances por lá e deu início a sua pesquisa chamada “CURA”, uma série de performances, textos e obras que falam sobre seu viver com HIV e suas soluções.”Foi um caminho que eu junto até hoje: comunicação com trabalhos de lambe”, conta Micaela. 

Ferramenta política

Para a artista, “ser um corpo negro, feminino automaticamente já te torna um ser político”, pois reflete a persistência de validar e se validada a todo momento. “No contexto do racismo, machismo dessa sociedade, sou um corpo que atravesso isso diariamente, um corpo assim não tem nem opção de não ser político”, afirma.

Micaela acredita que existe uma ilusão sobre o quanto a população preta ressignifica processos de dor associados ao fazer artístico. 

“Como eu traduzo a arte é sobre mim e não é sobre as violências. Eu vivo a violência, sou atropelada por isso a todo momento, então eu não vivo uma ressignificação, eu comunico porque eu vivo, porque eu sou, porque eu não deixo barato, porque eu sou artista, mas sem essa responsabilidade de ressignificar.”

Micaela Cyrino

Micaela aponta que sua arte não é para o outro, mas para si mesma. “A minha produção artística não tem haver com consertar o mundo, tem haver com me consertar, me encontrar. Não existe esse lugar de ressignificar, tem um negócio mais de digerir, traduzir pra mim e me comunicar a partir disso”, compartilha.  

Acesso à informação através da arte

A artista ressalta que a arte segue uma construção social, e que uma série de artistas que já morreram possibilitaram esse diálogo, “e eu acho que a arte tem esse papel de dialogar no indivíduo”, afirma. 

“Não é uma coisa de hoje pensar na epidemia de aids, é pensar 40 anos atrás, e os artistas também viviam com HIV, também morriam em decorrência da aids. Da mesma maneira que o assunto se renova clinicamente, socialmente ele também se renova com a arte”

Micaela Cyrino

Cyrino reforça que socialmente ainda existe um caminho longo para percorrer, pois considera que as informações sobre o tema não são amplamente disseminadas, e ainda existe o fator da sociedade ter um histórico de homofobia.

“Ainda se reproduz os padrões que foram construídos no início da epidemia [de aids], que é sobre culpabilização, discursos que não falam sobre responsabilidade, construção coletiva, entendendo como uma questão social. É colocado como algo que Deus enviou para castigar alguém que merece ser castigado”, pontua.

Além de ser um espaço de encontro consigo mesmo, o trabalho da educadora conversa com um público que ao se identificar com sua abordagem, encontra também um espaço de reflexão.

“A periferia não teria informação se não fosse criada por ela mesma. A gente tem hoje site do governo que tem informação, mas como que acessa isso? Como que chega na quebrada? Como que chega na mãe solo periférica? Como que chega na travesti adolescente? As ongs tomam muito mais conta disso que o governo”, reflete Micaela Cyrino. 

Além de produtora cultural, Cyrino também é educadora do núcleo de arte do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias, e também vem atuando em espaços de debate para pautar sua trajetória e soropositividade.

Ela aponta a importância de falar sobre HIV fora do lugar de culpabilização, mas na perspectiva da construção de informação. “Um lugar de entendimento onde a gente possa falar sobre o HIV livremente sem ser atravessada, sem ser prejulgada, ou sem ter que ser a professora do HIV”.

“Falar sobre HIV e falar sobre direito, acesso à saúde integral, sobre prazer, amor, como a gente constrói outras narrativas. E somos nós mesmas pessoas soropositivas que vão estar na base dessa construção”, finaliza a artista.

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