Reportagem

Política e Religião: jovens da periferia questionam a representatividade da bancada religiosa

Edição:
Ronaldo Matos

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Com o crescimento das bancadas políticas que impactam em vários setores da sociedade, o debate sobre os valores e morais propagados pelas frentes parlamentares se faz necessário para entender quem de fato eles representam.

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Historicamente, política e religião são âmbitos que formataram grande parte da sociedade atual. Durante muitos séculos a igreja e a monarquia formavam uma só estrutura. Ainda hoje, mesmo após a separação Igreja-Estado, é possível identificar claramente a interferência desses dois temas em pautas importantes como gênero, raça e classe.

Mesmo ainda sendo um país com 64% da população católica – a maior nação católica do mundo, o Censo Demográfico de 2010, mostra o crescimento da diversidade dos grupos religiosos no Brasil ao longo dos anos, principalmente o crescimento da população evangélica que passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010, sendo que a cidade de São Paulo concentra o maior número de evangélicos que qualquer outra cidade do Brasil, com 2,3 milhões. Os seguidores da umbanda e do candomblé permaneceram em 0,3% em 2010.

A partir deste cenário, jovens das periferias de São Paulo, entendendo a importância da construção de um parlamento que de fato trabalhe e desenvolva ações que dialoguem com as reais necessidades e demandas da população, principalmente nas periferias, contam como enxergam o cenário político no qual tem sido pautado por políticos diretamente ligados a correntes religiosas.

Assista a primera parte da reportagem especial do Desenrola E Não Me Enrola. 

Representatividade para quem? 

Para o jovem estudante Alessandro Akim, 17, candomblecista e morador do Jardim Jacira, região sul de São Paulo, a sua religião é fundamental na construção de sua identidade como jovem, negro e morador da periferia. “Estar no candomblé, cultuar a religião que meus ancestrais cultuavam na África, poder resgatar aquilo que foi roubado, para mim isso representa muito.”

A hierarquização e a presença massiva especialmente do catolicismo nas estruturas do país, trouxe diversas consequências, principalmente para as religiões de matrizes africanas que hoje buscam espaço em um ambiente político marcado pelo conservadorismo.

Rayane Braga, 18, moradora do Jardim Ângela, é católica e acredita que mesmo sendo cristã é preciso manter um pensamento inovador dentro de sua doutrina como jovem e periférica. “Mesmo a igreja católica tendo um pensamento um pouco mais antigo e ideológico, trago sempre um pensamento de inovação, feminismo e emponderamento dentro da religião. ”

Indo além dos aspectos intangíveis das religiões, os jovens notam que ela também esta diretamente ligada com o fazer político, e que essa associação pode ser extremamente favorável para os interesses pessoais dos parlamentares.

A musicoterapeuta e estudante de pedagogia, Estela Cândido, 25, que é evangélica protestante e residente do bairro Vila Natal, pertencente ao distrito do Grajaú, a igreja é um ambiente de grande desafio, mas ao mesmo tempo um espaço onde pode promover ações nas quais acredita, inclusive política. “Eu acredito nos processos formativos de conscientização. Gostaria de citar, por exemplo, o Fast Food da Política. Lá eu percebi como eu, sendo uma civil, posso influenciar na política, e quando eu percebo algumas influências religiosas tentando ditar o voto dos fiéis, acho isso frustrante.”

Assim como Akim que relata não se sentir retratado pela bancada religiosa presente hoje no contexto político, Estela acredita que as bancadas não representam a maioria: “O preconceito religioso está sim inserido na bancada evangélica, uma bancada que não representa a maioria, porque existe uma dificuldade em coexistir na diferença”, conta a jovem.

Segundo o Cientista da Religião, Felipe dos Anjos, quando representações de doutrinas religiosas como Silas Malafaia, Marco Feliciano e Eduardo Cunha, vêm a público dizendo que refletem a igreja, é apenas mais uma tentativa de capitalizar representação: “Esses sujeitos religiosos ocupam o centro do poder, e nesse centro eles tem dinheiro, mídia e visibilidade. Dali eles inventam e discursam o que eles querem, fazendo parecer que são representativos. Quando a gente foca nesse centro do poder, a gente não perceber que nas periferias, não existe essa representatividade.”.

A partir do posicionamento político dos jovens e da opinião de um especialista cientista em religião e política, para além dos discursos que não estão alinhados com as demandas reais da população, a ligação entre esses dois campos coloca em jogo o andamento de pautas fundamentais que interferem diretamente a vida de milhões de pessoas nas periferias, territórios vulneráveis que demandam urgentemente por políticas públicas eficazes e plurais.

*Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização dos coletivos Alma Preta, Casa no Meio do Mundo, Desenrola e Não me Enrola, Imargem, Historiorama, Periferia em Movimento e TV Grajaú, com patrocínio da Fundação Tide Setubal.

Cerca de 30 reportagens serão publicadas até o final de outubro com assuntos de interesses da população das periferias de São Paulo em ano eleitoral. Acompanhe os sites e as redes sociais dos coletivos e não perca nada!

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